A maioria dos ofídios brasileiros pertencem à família Viperidae e estão agrupados em 3 gêneros: 1. Bothrops – são as jararacas. Jararaca é um nome enganoso porque, tanto se refere a uma espécie, a Bothrops jararaca, como é o nome coletivo do gênero Bothrops. Compreende umas 20 espécies: B. jararaca, que é a jararaca propriamente dita, B. alternatus, que é a urutu ou cruzeira, B. atrox, também chamada de jararaca ou de combóia, B. bilineatus que é verde e vive nas árvores e, por isso, chamada de cobra-papagaio, a B. insularis, uma jararaca singular que só tem na Ilha Queimada, no litoral paulista, na altura da cidade de Santos. O veneno dessa jararaca é muito potente, pelo menos para pássaros dos quais essa cobra se alimenta quase que exclusivamente. Se não fosse isto, o animal morreria de fome, pois, após a picada os pássaros voariam muito longe, fora da alcance da serpente. E assim há muitos outros ofídios do gênero Bothrops cujos representantes são encontráveis em todo território nacional. 2. Crotalus – são as cascavéis, com seu guizo ou chocalho típico. A espécie é durissus, com numerosas subespécies, todas muito parecidas umas com as outras. Sua distribuição geográfica é mais restrita a áreas secas e arenosas das regiões sul, sudeste e centro do país. O maior número de acidentes por cascavel ocorre no Estado de São Paulo. 3. Lachesis – é a surucucu, o maior dos ofídios venenosos do país. A espécie encontrada com maior freqüência é a Lachesis muta muta, que pode alcançar 3 metros ou mais de comprimento. Na fronteira da Amazônia brasileira com outros países existem algumas outras subespécies. A particularidade mais chamativa da surucucu é a mudança da posição das escamas na ponta da cauda. Em vez de ficarem deitadas sobre o corpo, nesta região as escamas estão eriçadas. É uma serpente cujo habitat é a floresta tropical e, portanto, são mais comuns no norte do Brasil. Todas essas cobras da família Viperidae têm uma cabeça grande, triangular, visivelmente mais larga do que o corpo. A presença da fosseta loreal é constante e são solenóglifas sem exceção (como já foi explicado, as serpentes solenóglifas possuem presas grandes e móveis canalizadas, na região anterior da maxila). A cauda é importante. Nas jararacas ela afina bruscamente, ao contrário dos ofídios não peçonhentos nos quais o adelgaçamento da cauda é gradual. A cauda das cascavéis termina em um chocalho característico e as surucucus possuem escamas eriçadas nesta região. Pode-se dizer que todas elas são mais ativas durante a noite, porém não são animais de hábitos estritamente noturnos. Cobras Corais À família Elapidae pertence o gênero Micrurus que é das serpentes corais venenosas. Temos várias espécies, corallinus, fisherii, frontalis, etc... todas com características marcantes: são ofídios pequenos, de 15 a 60 cm de comprimento, excepcionalmente 1 metro, tendo anéis de cor negra e vermelha, ou, ainda, branca e amarela, bem brilhantes e muito nítidos. A cabeça dessas cobras é pequena e estreita, quase da mesma largura que o corpo e não possui fosseta loreal. A boca também é pequena e as presas são do tipo proteróglifo, isto é, com sulcos e fixas na região anterior do osso maxilar. Estes detalhes são quase que irrelevantes considerando o colorido inconfundível da pele destes ofídios. Não há como não reconhecê-los. A única confusão possível é com a cobra-coral-falsa. Esta é de outra família, Aniliidae, e é uma serpente áglifa, sem presas. Tem anéis pretos e vermelhos mas menos nítidos que as corais verdadeiras. Surucucu pico de jaca Urutu Jararaca do Brejo Cascavel Coral Falsa (acima) e Coral Verdadeira (abaixo) A famosa Jararaca Não procure distinguir as cobras corais verdadeiras das falsas. Deixe este trabalho para especialistas e não mexa com essas serpentes porque são extremamente venenosas! As cobras corais têm hábitos noturnos e subterrâneos. Ficam embaixo de folhas, de tocos podres ou da terra fofa. São encontráveis em todas as regiões do Brasil. O reconhecimento de serpentes peçonhentas deveria fazer parte do currículo escolar, principalmente nas áreas rurais do Brasil. Nós teremos que recapitular alguns pontos já colocados mas, antes, tentaremos explicar o porquê da importância do assunto. O problema central é o tratamento das vítimas de mordidas de cobra. Essencialmente, isto é feito com a soroterapia que deverá ser a mais específica possível. Vejamos isto: Esperamos que tenha ficado claro que, se o cidadão acidentado informar corretamente ao médico o tipo de cobra que o mordeu, ele receberá uma terapêutica muito mais eficaz. Em caso de dúvidas, lhe será administrado soro polivalente de menor eficiência para combater o veneno ofídico. Talvez, neste momento, você esteja formulando duas perguntas: a) "O médico não é capaz de diagnosticar pelos aspectos clínicos o tipo de cobra que mordeu a pessoa ?" b) "Será que o hospital não tem algum teste para detectar o tipo de veneno ?" Ambas são excelentes questões e vamos respondê-las. a) A prática clínica com vítimas de ofídios peçonhentos leva ao reconhecimento correto do serpente responsável pelo acidente. Portanto, a resposta é de que o médico é capaz de diagnosticar pelos aspectos clínicos o tipo de cobra que mordeu a pessoa. Mas, e é um mas grande, são poucos os profissionais que têm a prática necessária para fazer este diagnóstico. Lembre-se que no início dissemos que mensalmente existem 1.500 a 2.000 casos de ofidismo ? Isto no Brasil todo. Quantos serão os médicos que têm experiência suficiente para reconhecer os quadros clínicos específicos de cada gênero de serpente ? Certamente poucos. Só aqueles que trabalham nos grandes centros de referência para tratar estes acidentados. Por exemplo, Hospital "Vital Brasil", Hospital das Clínicas de Botucatu, Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e alguns outros centros que concentram os casos de ofidismo no país. b) Quanto a exames laboratoriais para diagnosticar tipos de venenos de cobra, eles existem e são capazes de identificar o veneno e até a quantidade que foi injetada pelo animal. Porém, há dois obstáculos a vencer: primeiro, a lentidão desses testes – os pacientes não podem aguardar horas – segundo, a dificuldade técnica e o custo, que limitam sua utilização aos centros de excelência. Os acidentes ofídicos ocorrem, na mais das vezes, longe dos hospitais bem equipados e, quando os pacientes chegam aos postos de atendimento, é preciso agir com rapidez e com os meios disponíveis: soros e outros remédios. Certamente, até que não haja um meio de diagnosticar o tipo de veneno nos centros médicos e postos de saúde em todo o país, é importante que a vítima seja capaz de informar a espécie (pelo menos o gênero) de cobra que a mordeu: jararaca, cascavel, surucucu ou coral. Levar o ofídio – vivo ou morto – até o centro médico é uma ótima idéia, desde que a captura ou matança do animal não resulte em novas mordidas. Examine essa tabela de reconhecimento de serpentes peçonhentas. Ela mostra os pormenores: tipo de cabeça, fosseta loreal, dentição, aspecto das escamas e cauda.
Tudo poderá ser facilmente verificado, se tivermos um animal morto ou imobilizado que poderá ser examinado com calma e minuciosamente. Na prática, quando ocorrem os acidentes, a situação é bem outra, no entanto há algumas observações que geralmente dá para fazer. 1. Verifique a coloração do corpo do animal que lhe mordeu. Os característicos anéis coloridos das cobras corais são gritantes. Você poderá dizer ao médico se foi ou não uma cobra coral. A confusão com as serpentes corais falsas é irrelevante, pois não trará nenhum perigo à sua saúde. 2. Se não for coral, veja bem a cauda da cobra se tem ou não o chocalho típico da cascavel. O chocalho também se ouve: antes de dar o bote, a cascavel balança vigorosamente a cauda para lhe espantar com o ruído. Repetimos que o chocalho é muito óbvio e fácil de reconhecer. Já as escamas eriçadas da cauda da surucucu é muito mais difícil de ver.
3. Tome nota da hora em que você foi picado. É uma informação preciosa ao posto de socorro. Por exemplo, poderá servir ao médico para diferenciar a cobra coral verdadeira da falsa: se após pouco tempo você não tem nenhum dos sintomas clínicos de envenenamento ofídico, ficará algum tempo em observação sem tomar soro. O tempo decorrido entre o acidente e a intensidade dos sintomas também é fundamental para avaliar a gravidade do caso e guiará a terapêutica a ser aplicada. 4. Se não tiver nenhuma observação sobre a cobra, pelo menos informe os aspectos do local em que aconteceu o acidente: floresta, areia, rochas expostas, etc... De tudo que foi dito, é simples deduzir que a maior dúvida é sempre entre a jararaca e a surucucu. Antes de mais nada, vamos dizer o que NÃO FAZER. Lamentamos desapontar você e contradizer todos os filmes, livros e histórias de aventuras, quando homens-macacos, heróis do faroeste, nobres selvagens e mocinhos de todos os tipos, aplicam torniquetes na perna, cortam os músculos com a faca, chupam o veneno com a boca e aplicam brasas, ferros incandescentes, fumo, bosta de vaca e outros remédios heróicos sobre a mordida de cobras. Não faça nada disto. Nem o torniquete. Tampouco aplique pó de café, querosene ou teia de aranha, seguindo a sabedoria popular. Hoje, a experiência nacional é muito grande e sabe-se que todas essas tentativas de cura, consagradas ao longo dos tempos, só prejudicam. Repetimos: não faça intervenção alguma, é melhor. Procure manter a calma: lembre-se que a maioria dos acidentes ofídicos não matam nem mesmo quando não tratados; lembre-se que a soroterapia resolve seu caso, mesmo se instituída muitas horas – 6 a 12 horas – depois. Se sentir dor, tome um analgésico. "Se tiver ampolas de soro anti-ofídico por perto?"Primeiro considere as condições de armazenamento. As ampolas de soro anti-ofídico devem ser conservadas em geladeira entre 4oC e 6oC positivos; na temperatura ambiente duram pouco: alguns meses. A seguir, observe a validade dos soros, pois é muito comum estarem vencidos há anos. Depois de certificadas as condições de estocagem e o vencimento das ampolas, elas devem ser aplicadas mas não por você, sobretudo se estiver sozinho. É um remédio para mãos experientes. A soroterapia tem suas dificuldades que colocaremos logo mais. Busque socorro e leve as ampolas consigo. O que fazer?Procure imediatamente chegar ao primeiro centro médico que tiver a seu alcance e transmita suas observações (aquelas quatro observações mencionadas no texto sobre o "reconhecimento das cobras venenosas") à primeira pessoa que lhe socorrer, a fim de que, em caso de desmaio, haja alguém para prestar informações ao médico. Se estiver fácil, lave o local da mordida com água e sabão mas não perca tempo: procure um centro médico. O que é que o médico vai fazer ?Ao chegar no posto médico, sua história será ouvida enquanto a região mordida for lavada. Depois seguirá um exame cuidadoso. As primeiras preocupações serão de diagnosticar o tipo de cobra responsável pelo acidente e avaliar a intensidade do envenenamento. O médico procurará examinar bem as alterações locais, isto é a região em que você foi picado e, também, as suas condições sistêmicas ou gerais. A região mordida por cobras dos gêneros Bothrops e Lachesis são os que mais provocam manifestações locais. Aparecem a dor, o edema (inchaço), hemorragia, bolhas na pele, reação inflamatória, com ou sem infecção, e a necrose (morte do tecido), em graus variados. Quanto mais intensos forem esses sinais, maior dose de soro será lhe administrado. A cascavel e a cobra coral não costumam dar sinais locais importantes, a não ser quando é aplicado garrote, incisões a faca, etc... Contudo, a primeiro costuma deixar sinais evidentes da picada, visto que suas presas são bem desenvolvidas, enquanto que a segunda, praticamente, só deixa escoriações. Os aspectos sistêmicos variam bastante:
Feita a avaliação, a equipe do hospital instalará a soroterapia, a mais específica possível. Você receberá de 4 a 12 ampolas de 10 ml cada, dependendo da gravidade do seu caso, por via intravenosa. Após o medicamento anti-ofídico, receberá soro glicofisiológico pela veia, a fim de evitar a insuficiência renal. Também lhe aplicarão uma injeção de soro antitetânico, profilaticamente. Se existirem complicações, como infecção, necrose ou insuficiência renal aguda já instalada, as medidas serão, respectivamente, antibioticoterapia, intervenção cirúrgica para remover os tecidos necrosados e diálise renal. Em caso de acidentes causados por cobra coral ou cascavel, o médico observará a ação neurotóxica do veneno e tratará de corrigir a situação com medicações que ajudam a neurotransmissão, que fica seriamente comprometida e provoca as paralisias. Finalmente, o médico terá que observar cuidadosamente suas reações durante a soroterapia. É que, com certa freqüência, aparecem reações de hipersensibilidade, imediatamente na hora da administração do antiveneno ou até um dia após a mesma, que precisam ser controladas. Isto é feito com vários medicamentos simpatomiméticos (adrenalina, por exemplo) e anti-histamínicos. Considerando as reações de hipersensibilidade, é que se desaconselha que a soroterapia seja instalada por leigos. Existem venenos quimicamente simples como, por exemplo, o cianeto de potássio, e venenos complexos como é o caso das serpentes. A fórmula do famoso cianeto é KCN, uma molécula de potássio, uma de carbono e uma de nitrogênio, e aí está o mortal inibidor da respiração celular. Já os venenos de cobra não podemos expressar por uma fórmula, pelo menos sem ser quilométrica para cada espécie! Trata-se de um conjunto muito rico de enzimas, de tóxicos e outras proteínas e variam, não apenas com a espécie, mas, também, dentro da espécie, com a idade e estado metabólico do animal. Melhor do que analisar bioquimicamente, é descrever as suas principais propriedades: Ação Proteolítica. Diversas proteínas do veneno são capazes de lesar e mesmo necrosar os tecidos. Provocam uma reação inflamatória intensa, como é o caso das jararacas e das surucucus. Rompem a coesão das paredes vasculares e provocam hemorragias. Estas propriedades são responsáveis, principalmente, pelas lesões locais. Ação sobre a Coagulação do Sangue. O sangue flui em nossas veias em delicado estado de equilíbrio: não deve coagular a toa e nem pode ser incoagulável. Os venenos dos ofídios perturbam esse equilíbrio e têm poder coagulante e hemorrágico, ao mesmo tempo. Desencadeiam a coagulação do sangue na microcirculação, bloqueando o fluxo sangüíneo e dificultando a oxigenação de certos tecidos, o renal por exemplo. Com o decorrer do tempo, as enzimas tóxicas dos ofídios atuam sobre a fibrina, que é uma proteína fundamental para fazer um coágulo, diminuindo sua quantidade e prejudicando sua qualidade, e, portanto, começam impedir a coagulação do sangue que corre nos vasos do corpo (isto sem desfazer os coágulos que causaram na microcirculação). O cenário está pronto para as hemorragias, que podem ocorrer nas mais diversas partes do corpo através dos vasos lesados, e que continuam sem cessar por causa da ação anticoagulante dos venenos. Ação Neurotóxica. Sobretudo a cascavel e a cobra coral possuem neurotoxinas potentes que provocam paralisias musculares. A transmissão dos impulsos nervosos para os músculos faz-se através de sinapses. A cascavel produz uma fração tóxica que é pré-sináptica, isto é, inibe a liberação de acetilcolina pelos impulsos nervosos. A coral, ao contrário, tem uma ação pós-sináptica, bloqueia o receptor nicotínico da acetilcolina. Em outras palavras, há liberação de acetilcolina, porém ela não consegue atuar sobre os receptores pós-sinápticos que estão ocupados pelo veneno. Em ambas as situações, não chega nenhum sinal ao músculo que se mantém inerte, paralítico. Texto extraído do site www.saudetotal.com.br. O brilhante e elucidativo artigo, fora escrito pelo Prof. Dr. György Miklós Böhm** ** GYÖRGY MIKLÓS BÖHM nasceu em Budapeste, Hungria, em 04/12/1936, foi para Dinamarca em maio de 1945 e, chegou no Brasil em dezembro de 1947. Viveu em Porto Alegre e formou-se médico pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1961. No mesmo ano obteve o título de Doutor em Medicina e, em 1962, foi contratado pela Universidade de São Paulo. Primeiro, trabalhou na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e, desde 1977, na Faculdade de Medicina da USP, na cidade de São Paulo. Fez o seu pós-doutoramento no Departamento de Patologia do St. Bartholomew's Hospital, Londres, de 1964 a 1965, sob a orientação do Professor Walter Graham Spector. Desde então se dedica à Patologia Experimental. |
O espírito do "que caminha pelas matas", em nós habita. Que haja fôlego e disposição.
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
Sobre as Cobras Brasileiras
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rychard existe um tipo urutu preta que mede cerca 50centimetro eque e muito venenoza.voce conhece?gostaria que voce mostrasse noprograma sou sua fã neuza petrpolis rj.
ResponderExcluirExcelente post.parabéns.abçs
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